2015-9-15

CONVIDADOS

Crónica Fernando Arrobas, M.D.

A TRISTE MORTE DE CECIL – CRÓNICA

Num dos últimos dias do passado mês de Julho, os noticiários e as redes sociais foram inundados. A humanidade encontrava- se chocada com a morte do leão mais conhecido de África: Cecil, o rei da selva no Zimbabué. Crónica de Fernando Arrobas, M.D. Ilustração de Diogo Costa

Nas horas seguintes, a ira foi crescendo. Afinal, tinha sido por desporto (isto se a caça se poderá mesmo chamar assim). Alguém tinha pago perto
de 50 mil USD para perseguir um animal ferido durante cerca
de 40 horas, matá-lo a tiro e esfolá-lo no fim. Tudo isto no ano
2015 do século XXI.
Nos dias seguintes, com naturalidade, as investigações começaram para que o autor do bárbaro crime fosse identificado. Até que as manchetes surgiram.
Tinha sido um dentista a matar Cecil. É certo que muitos não tomaram a árvore pela floresta (era o que faltava!), mas as extrapolações multiplicaram-se de imediato, batendo-se todos os recordes
de sensacionalismo dentário. Por um lado, o lugar comum de que o dentista é uma personagem cruel que inflige medo e sofrimento por natureza. No Daily Mail, o “reputado” jornalista Quentin
Letts, chegou a dar como título à sua crónica “Why we all fear dentists are natural born killers”.
Ao longo do texto, numa linha, reconhece a importância que estes profissionais têm para a saúde da população, enquanto que em praticamente todos os outros parágrafos relembra histórias de
dissidências humanas que levaram certas pessoas desequilibradas (por acaso, também formadas como dentistas) a assassinarem o seu cônjuge ou que tiveram pretensões de juntar-se ao regime Taliban. Tudo episódios que certamente não acontecem nas comunidades de advogados ou jornalistas, entre outras profissões.
Inevitavelmente, outro tema óbvio que foi explorado foi o facto de os dentistas ganharem “rios de dinheiro” e, como tal, poderem dedicar-se aos devaneios que o Sr. Walter Palmer tanto aprecia.
“Why dentists are so darn rich”, perguntou-se Max Ehrenfreund, repórter do Washington Post. Embora refira que o seu artigo tem em consideração os custos envolvidos em manter uma clínica dentária em funcionamento, revela-se incrédulo que o salário médio por hora de um dentista seja superior ao de um clínico geral. Esquece-se, porém, o jornalista
de factores como atualização e formação, investimento em material e equipamento, licençasde funcionamento, quotas de organizações profissionais,
seguros e responsabilidade e algo queainda pouco se discute: a profissão talvez dever ser reconhecida como de desgaste rápido dada a posição “anti-ergonómica”, o stress, a exposição permanente às ampolas de raio-x e a ocorrência de doenças profissionais de forma recorrente.
Embora também não veja estas duas árvores como a floresta do jornalismo, achei injustas estas conotações com um crime hediondo, praticado por um homem (por acaso, também formado como dentista) que revelou total desrespeito pela vida animal. Por momentos, foram colocados no “mesmo saco” todos os profissionais que, dentro dos limites das suas possibilidades, praticam responsabilidade social junto dos mais desfavorecidos, assim como aqueles que gostam e cuidam de animais, como é o caso do simpatico colega Paul Weiss, natural de Williamsville, NY, que diariamente leva o seu cão para o consultório para ajudar as crianças a manterem-se calmas.
Por último, nunca deixa de ser importante relembrar que o facto de os tratamentos serem “caros e dolorosos” não é culpa do dentista, mas sim do estado em que as pessoas, por não prevenirem, chegam às consultas. Esse deverá ser também o caso de Letts e Ehrenfreund, que, por
certo, já deixaram passar mais de seis meses desde a última visita.


Autor: Fernando Arrobas, M.D
fernando.arrobas@jornaldentistry.pt
Ilustração: Diogo Costa dcosta_4@msn.com

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