JornalDentristry em 2023-1-26

CRÓNICAS

Janeiro, o primeiro

O tempo de ano novo força a reflexões mais ou menos duradouras sobre o tempo e as metas atingidas. Em 2022, até o Cristiano Ronaldo se deparou com dilemas e, possivelmente, não estava 100% satisfeito com as suas conquistas.

Dra. Mónica Pereira Lourenço, médica dentista.

Alguém satisfeito com o que tem ou conseguiu é alguém que está parado e, provavelmente, morto. Viver é desejar e procurar a evolução. 

Obviamente estas conclusões chegaram-me depois de escrutinar todo o(s) meu(s) ano(s) passado(s) e concluir que para alguém entretanto nos 30, ainda não tinha feito nada de realmente significativo. 

Ora vejamos. Primeiro capítulo do currículo de nada viva: nasci. De parto natural, segundo sei, o que é bom para as estatísticas de doença. Mudei de dentição sem agenesia a apontar e (ainda não) precisei de aparelho dentário. Útil. Até agora tudo muito bem no meu currículo mas nada de que possa propriamente reclamar louros. Sei que tinha jeito para dançar e recriar música pimba com panelas, mas nada a que o meu nome Mónica Sofia não obrigasse por lei. Entretanto tive boas notas, entrei para o curso de medicina dentária, comecei a trabalhar. Agora que penso, foi aí que começaram os problemas. Fui tendo toda uma série de hobbies e projetos amadores - muitos apenas completos pela metade - que mantenho até aos dias de hoje e aos quais vou somando sempre coisas novas. 

Tenho mudado de emprego sempre que sinto que já não pertenço, contrariando a regra antiga do emprego para a vida. Ao fim de 4 anos de trabalho como médica dentista estou bem longe de ser especialista numa área e, por vezes, duvido se quero fazer só uma coisa. 

Acabei recentemente de ler um livro chamado “Versátil”, de David Epstein. Num mundo cada vez mais de especialistas e de conhecimento rígido, Epstein conclui que pode haver vantagem em ser-se generalista, afinal, o mundo está constantemente em mudança, tem poucas regras e a capacidade de adaptação é uma ferramenta valiosa. 

Não há nada de errado em saber o que se quer muito cedo, treinar uma competência e não olhar para trás. Mas também é possível chegar longe por caminhos alternativos e está comprovado que quem os percorre pode encontrar soluções inovadoras. 

Uma das histórias icónicas do livro compara 2 jovens: o primeiro começou a jogar ténis tão cedo que aos 2 anos ganhou o torneio dos menores de 10; o segundo jogou squash, esqui, vólei, basquete, futebol e ténis antes de focar numa só modalidade. Os sujeitos da história são Tiger Woods e Roger Federer e é difícil refutar que, apesar de seguirem 

caminhos totalmente diferentes, ambos são incríveis no que fazem. 

No que toca a descobertas científicas, em 2013, Uzzi e colaboradores analisaram mais de 18 milhões de trabalhos de diferentes áreas, concluindo que artigos que citavam na bibliografia áreas distantes da principal abordada tinham muito pouco impacto inicial. Porém, após 15 anos, estes eram os artigos que revelavam maior probabilidade de serem mencionados, considerados revolucionários e inova- dores. Como enuncia a primeira lei de Newton, é preciso, para provocar movimento, vencer a grande resistência inicial da inércia. 

Há pouco tempo vi uma gravação de uma entrevista a Brånemark (1929 – 2014), o médico ortopedista sueco que é o primeiro nome que associamos quando pensamos em implantes dentários. Inicialmente, o grupo de investigação que liderava não estava focado nos maxilares. Brånemark percebeu que não conseguia remover um cilindro de titânio que tinha colocado num fémur de coelho durante um estudo de regeneração óssea e a partir daqui desenvolveu o conceito de osteointegração e passou a estudar a relação entre o osso e o titânio e como se podiam tornar duas superfícies praticamente inseparáveis. Em 1965 conseguiu osteointe- gração de implantes dentários, registando o primeiro caso clínico. Porém, mesmo com muitos sucessos em casos de reabilitação oral, os implantes dentários sofreram muita resistência por parte da comunidade científica na época. Só na década de 80, após uma conferência em Toronto com várias solenidades da Medicina Dentária, a ideia ganhou Mundo. Hoje, Brånemark é considerado o pai da implanto- logia moderna. 

O cruzamento de várias áreas do saber e da vida, também chamado de pensamento lateral ou transversal, pode ter muito a acrescentar e, muitas vezes, grandes ideias surgem precisamente devido a aprendizagens e até percursos de vida atípicos. As ideias vão-se acumulando e, um dia, a rede de pontos liga-se como magia. O caminho nem sempre, diria até raramente, é linear. 

Janeiro é o primeiro. Nos próximos meses do ano vou trazer-vos crónicas e entrevistas que vos farão pensar não mais além, não atrás, mas para os lados, na tentativa de estimular o vosso pensamento lateral. O meu objetivo é encontrar respostas na área da medicina dentária ou outras aparentemente não relacionadas e vou levar-vos comigo. 

Mais informações nos próximos capítulos, por cá, vou continuar a escrever em linhas tortas o meu currículo de nada-viva. 

 

Fotografia de Cláudia Lourenço 

 

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