JornalDentistry em 2023-5-11

CRÓNICAS

A prescrição da empatia

Este mês, já totalmente livres das medidas de prevenção e controlo anti-Covid 19, voltamos, finalmente à normalidade. Ou talvez não. Os pacientes quase já nem nos conhecem a cara depois de 3 anos a recebê-los atrás das máscaras.

Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia

Mas a verdade é que gosto mais, (e eles também), desta proximidade. Não porque ela seja importante no desempenho da técnica, mas porque é essencial no acolhimento, na empatia e no desen- volvimento da confiança para o tratamento. Somos animais sociais. Há quem diga que cada vez seremos menos sociais, mas nessa altura eu tam- bém já não serei médica dentista. 

Pelo menos nas redes estamos mais sociais. Disso não restam dúvidas. E há uma vida que se passa através do ecrã. Os podcasts florescem. E contra isso nada. Há uma facilidade de chegar a muitos, a todos os que quiserem, através de plataformas universalmente aceites. E, por conseguinte, há uma facilidade de consumir sem “ser visto”, sem pagar, fidelizar, inscrever ou responder pela informação que se consome. A verdade é que cada vez mais a sociedade não quer ser ensinada, mas sim entendida. Já parece mal dizer que não sabemos, não conhecemos, não fazemos assim e que temos de aprender. O online não é só mais fácil porque chega a todo lado, mas também porque permite que todos aprendam sem serem vistos. Numa sociedade em que socialmente só se mostra o perfeito, ser visto a apren- der pode ser entendido como uma fragilidade. 

No final do mês de abril a Ordem dos Médicos Dentistas e o seu centro de formação contínua realizou, nos Açores, as jornadas da primavera. Depois de três anos de interrupção pelo Covid-19, voltaram as jornadas, aquele momento formativo que privilegia a conjugação da formação com o lazer, em família. E tenho-vos a dizer que não há amizade nenhu- ma de redes sociais que bata o enriquecimento que cada um ganha quando partilha tempo e momentos com os outros. E se as redes sociais podem bater numericamente o número de “novos amigos” num só dia, garanto que ver as crianças e futuras gerações a fazer novas amizades fora dos ecrãs é muito gratificante. Afinal, para elas ainda será mais difí- cil separar a sua realidade da meta-realidade que existe para além dos pixels e dos visores. 

Temo que a próxima geração de médicos dentistas e médicos, em geral, sejam profissionais altamente qualificados técnica e cientificamente, com acesso a toda a informação que quiserem e conseguirem processar, mas que depois, em frente ao doente, não saibam aplicar tanto know-how. Não consigam fazer as perguntas certas, não consigam levantar os olhos do ecrã, não consigam criar empatia. E criar empatia é já parte do tra- tamento. E onde se ensina empatia, onde se aprende a ser empático? Em que cadeira, em que universidade? Em que podcast? A empatia, gera empatia. E só se pratica ao lado do outro, por simpatia, por generosidade, por confiança. É por isso que continuo a dizer que a inteligência artificial será apenas uma ajuda no primeiro nível do raciocínio humano: o da esta- tística, conseguir correlacionar factos ou acontecimentos. E isso já ajudará muito no diagnóstico do mais provável. Sendo a medicina uma ciência de probabilidades será já um grande avanço. Mas, atualmente, a inteligência artificial ainda não chega perto dos dois níveis seguintes do raciocínio humano: o nível hipotético, e se fosse assim o que aconteceria; e o tercei- ro, o nível contra factual, se em vez de fazer isto, fizesse aquilo, como teria mudado o resultado. A estes dois níveis do raciocínio humano a inteligên- cia artificial ainda não chega e, por isso, falha tantas vezes quando enve- reda por esses caminhos. E mesmo que um dia consiga fazê-lo, faltar-lhe-á a empatia própria dos que tocam, sorriem e se importam. Porque afinal poderá ensinar-nos tudo o que houver para aprender, mas se não nos entender não conseguirá tratar-nos. Aos médicos já não pediremos para saber tudo, mas para nos entenderem todos. Num tempo em que os diag- nósticos poderão aproximar-se dos 100% prováveis, os tratamentos terão de ser 100% empáticos. Porque a empatia é já parte do tratamento! 

 

Célia Coutinho Alves , Médica Dentista Especialista em Periodontologia pela OMD, Doutorada em Periodontologia pela Universidade Santiago de Compostela

 

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