JornalDentistry em 2023-1-24

CRÓNICAS

Profissionais Liberais e plataformas eletrónicas

“Learn from yesterday, live for today, hope for tomorrow. The important thing is not to stop questioning”. Albert Einstein

Dr. Orlando Monteiro da Silva, Presidente da Associação Nacional dos Profissionais Liberais, Antigo Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas

Ageneralidade das profissões estão a incorporar de forma crescente, processos de inovação resultantes da aplicação da inteligência artificial (IA), machine learning, deep learning, da capacidade de as máquinas “aprenderem sozinhas” por “reinforcement”, da digitalização, da robótica, dos novos modelos de computação e armazenamento de dados, imagens, voz, textos e escritos eletrónicos, das possibilidades do trabalho remoto e da sua combinação com o presencial, no que se designa por trabalho híbrido. 

A crescente utilização destas possibilidades tecnológicas constitui um enorme desafio para as profissões, os gesto- res, os reguladores e as organizações representativas dos profissionais. 

Para onde vamos? Como poderemos acompanhar e liderar estas transformações? 

Como seremos capazes de fazer repercutir estas novas ferramentas tecnológicas nas nossas atividades do dia-a-dia, orientando-as para servir melhor os destinatários dos nossos serviços, os nossos clientes, pacientes, ou cidadãos de uma forma geral? 

Como podemos em consequência, criar e identificar um valor tangível, percetível e reconhecido nas nossas atividades como profissionais liberais, preservando a nossa autonomia e independência, códigos de ética profissionais e corporate, que sejam geradores de melhoria de qualidade na prestação de serviços? 

Estes desafios não são de resposta fácil ou simplista. 

Obrigam-nos a refletir e repensar neste mundo em trans- formação induzida pela tecnologia, pela pandemia COVID-19, pela economia, pela regulação, pela concorrência, pela liberdade de escolha que todos desejam, pelas novas formas de trabalho e, sobretudo, motivam-nos a procurar formação e aprendizagem nas organizações que lideramos ou onde estamos inseridos, por forma a avaliar os processos tradicionais que podem ser melhorados ou refinados com este tipo de tecnologias. 

Aonde se pretende chegar? Que podemos concluir?
As plataformas eletrónicas estão a ser utilizadas para diferentes propósitos, em diversas áreas: no transporte de pessoas ou distribuição, Uber, Glovo, etc, no comércio eletrónico, ex. Farfetch, Amazon, também nos serviços financeiros, no investimento imobiliário, no reconhecimento de qualificações e na indústria de entretenimento via streaming como a Netflix, a HBO, entre outros. 

Nos dias de hoje, também na prestação de serviços qualificados por profissionais liberais, assiste-se a uma mudança crescente e disruptiva de paradigma. 

Temos hoje identificadas dentro e fora da UE plataformas de prestação dos mais diversos serviços qualificados, jurídicos, de tradução, de comunicação, consultadoria em diversas áreas, de cuidados de saúde e cuidados continuados, de acompanhamento domiciliário, de coaching, de ensino e investigação, formação contínua, reconhecimento de quali- ficações, recrutamento de entre muitas outras. 

As assim designadas plataformas eletrónicas de intermediação vieram ajudar a complementar e até substituir formas mais tradicionais de divulgação de serviços via publicidade, redes sociais, anúncios em jornais, colocando diretamente em conexão prestadores e consumidores, aproximando oferta e procura, em espaços geográficos alargados, por vezes ao nível local, regional e até global. 

Estas interfaces são naturalmente diversas e cada vez mais específicas e orientadas para diferentes tipos de destinatários, para públicos mais segmentados, constituindo um desafio crescente no modelo de prestação de serviços por parte de profissionais liberais, trabalhadores independentes e freelancers. 

E porquê? 

Usualmente há alguns anos, era o cliente quem de forma ativa tinha a iniciativa de procurar o prestador de serviços. E às vezes não era tarefa fácil identificar o profissional adequado, por assimetria de informação, ausência de rankings, de standards de qualificações e formação, de identificação dos histo- riais éticos e deontológicos, dos preços praticados. O boca-a-boca clássico, método tradicional de enorme poder, revela-se por vezes muito lento e fragmentado por círculos relacionais face à agilidade e rapidez que as partes envolvidas exigem. 

Já conhecíamos nalgumas profissões o nomadismo digital, em que para algumas atividades se trabalha de forma remo- ta de qualquer parte do mundo para outra. 

O nomadismo físico, com profissionais a trabalhar em localizações geográficas diversas em atividades mais face-to-face. Recentemente, na área da saúde, por exemplo, surge também outro tipo de nomadismo - o dos doentes ou clientes - que referenciados por plataformas e grandes prestadores e seguradoras vão em busca de procedimentos cirúrgicos, estéticos de bem-estar, de cuidados continuados ou paliativos, para localizações onde se encontram mais acessíveis, sem listas de espera e supostamente com melhor qualidade a mais baixo preço. É uma espécie de turismo de saúde, bem-estar e reforma intermediado por plataformas eletrónicas (e-services). 

Vejamos o caso da área da medicina dentária e higiene oral. 

Se na vertente tradicional clínica em ambiente de con- sultório a abordagem é face-to-face, o que é facto é que o trabalho remoto das equipas cria valor adicional na disponibilização de teleconsultas por vídeo, no diagnóstico, na consulta de seguimento, na prescrição eletrónica de medicamentos, na programação das consultas, no uso de assistentes digitais, na promoção de literacia. Este leque de serviços à distância é referenciado como uma mais-valia pelos clientes e pelos consumidores em geral. 

Estamos prontos e aptos a lidar com este tipo de disrupções? 

A generalização dos e-services implica que muitas pessoas terão de adquirir novas capacidades; outras terão de alterar a sua forma de trabalhar; outras até mudar de trabalho. 

Estão os reguladores do setor e das profissões, os deciso- res políticos a acompanhar convenientemente e a liderar em diálogo ativo estes processos? 

Ao nível do ensino, os sistemas de educação da medicina , dentária e higiene oral serão capazes de incorporar nos seus currículos uma personalização dos conteúdos programáticos, através do 5G via internet das coisas, tais como sensores e robótica, em particular na simulação do treino clínico? E os seguradores e financiadores dos sistemas de saúde incorporam a necessidade de financiar adequadamente a prestação de serviços à distância na área da saúde e, eventualmente, contemplando a comparticipação dos imprescindíveis requisitos eletrónicos, hard e software, e as boas práticas ao nível na proteção de dados, bem como avaliando os riscos de segurança cibernética, evitando vulnerabilidades e ciberataques? 

Gostemos ou não, a mudança que a organização do trabalho está a atravessar em todo o mundo, afetando os profissionais e as suas organizações, impelem a promoção de uma cultura de adaptação, de flexibilidade, de orientação das lideranças para resultados e não apenas para diferentes fases dos processos, bem como para o envolvimento adequado das equipas na resolução dos problemas. 

Analisando o passado, centrados no presente e antevendo as tendências de futuro, temos todos a responsabilidade de extrair o melhor destas tendências inovando, mas questionando sempre as tecnologias aplicáveis e disponíveis, não permitindo que estas se sobreponham ao exercício das pro- fissões com dignidade e centrado nas pessoas. 

E sobretudo assegurando que a Confiança, conceito chave para os destinatários dos serviços dos profissionais liberais, freelancers e trabalhadores independentes, não seja afetada. 

 

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