O JornalDentistry em 2022-3-12

ARTIGOS

Como é que o cérebro percebe se as nossas ações fazem realmente diferença?

Cientistas descobrem que o nosso sentimento subjetivo de controlo resulta da competição entre dois processos de aprendizagem paralelos.

Já todos passámos por situações como... conseguir ser atendido por um assistente de um call centre, adormecer um bebé, fazer zapping na televisão para encontrar algo que nos interesse ... É inevitável que a dado momento nos questionemos - será que as minhas ações fazem realmente diferença? 

Para decidirmos o que fazer, precisamos saber se as nossas ações são relevantes, e quanto mais cedo isso acontecer, melhor. Mas perceber se temos controlo sobre uma determinada situação não assenta apenas numa estratégia de tentativa-erro. A nossa capacidade de o fazer é fortemente influenciada por fatores internos, especialmente pelo nosso estado mental. Elevados níveis de stress, ansiedade e depressão, comprometem o nosso sentimento de controlo, levando frequentemente a que consideremos que as nossas ações não são relevantes, mesmo quando o são. 

Há décadas que os cientistas têm vindo a investigar a forma como este complexo processo cognitivo funciona. No entanto, devido a confusões conceptuais e metodológicas, o progresso tem sido lento. Num novo estudo, publicado hoje (10 de março) na revista científica Nature Human Behaviour, investigadores da Fundação Champalimaud, em Portugal, e do Donders Institute for Brain, Cognition and Behaviour, nos Países Baixos, apresentam uma importante descoberta nesta área. 

“O mecanismo que descobrimos ainda não havia sido considerado anteriormente, mas reunimos amplas e fortes evidências - desde o comportamento à atividade neural - que sugerem que é de facto assim que o cérebro calcula a controlabilidade”, afirma Romain Ligneul, primeiro autor do estudo e investigador pós-doutorado no laboratório Neurociência de Sistemas. 

Será que temos tudo sob controlo? 

Para determinar como o cérebro avalia a controlabilidade, numa primeira fase a equipa teve de formular a experiência certa. Mas pode o sentimento subjetivo de controlo de uma pessoa ser medido de forma objetiva? 

 

“Para dar uma ideia clara de como a tarefa que desenvolvemos funciona, costumo usar uma metáfora”, diz Ligneul. “Imaginem que estão, num ambiente de realidade virtual, a andar por uma casa onde cada quarto tem duas portas que, às vezes, mudam de cor.” 

A equipa concebeu duas casas que parecem idênticas, mas que na verdade têm uma diferença essencial: podem ser controláveis ou não. Nas casas “controláveis”, a cor das portas determina as divisões a que dão acesso. Assim que aprendemos as associações corretas entre as cores das portas e as divisões, podemos escolher para onde queremos ir a seguir. Pelo contrário, nas casas “não controláveis”, a sequência de divisões é fixa. Ou seja, se estamos na cozinha, qualquer uma das portas dá acesso à casa de banho, tornando as nossas escolhas irrelevantes. 

“Como as casas parecem iguais, podemos trocar os participantes entre casas “controláveis” e casas “não controláveis” sem que estes se apercebam”, disse Ligneul. “Depois, deixamo- los explorar a casa durante algum tempo antes de lhes perguntarmos: “que divisão está por trás de cada uma das duas portas que estão a ver?”. 

Quando a questão surge, os participantes podem ainda não ter percebido bem o que está a acontecer. Especialmente porque, de vez em quando, o algoritmo os confunde ao alterar as associações entre a cor da porta e a divisão. Ainda assim, as respostas revelariam aquilo que a sua intuição lhes diz. Se sentem que não têm controlo, diriam que ambas as portas dão acesso à mesma divisão. Se, pelo contrário, sentem que as suas escolhas são relevantes, identificariam uma divisão diferente em cada porta. 

O Ator Versus O Espectador 

Com o desenvolvimento desta elegante experiência, a equipa havia acabado de descobrir um novo mecanismo que explica como o cérebro avalia a controlabilidade. “Descobrimos que existem dois processos de aprendizagem que ocorrem em paralelo: o ator e o espectador. O cérebro controla e compara estes dois processos, continuamente, para determinar qual é o melhor a fazer previsões”, explicou Zachary Mainen, Investigador Principal na Fundação Champalimaud e coautor deste estudo. 

“Um jogo de ténis é um ótimo exemplo de como o sistema funciona”, acrescentou Ligneul. “O ‘sistema ator’ seria dominante quando é a nossa vez de fazer o serviço, porque o cérebro precisa de calcular quais as ações que conduzirão à melhor trajetória. No entanto, se estamos na posição de recetor da bola, não há nada que possamos fazer para determinar onde esta irá cair. Então, nesse caso, o cérebro optaria pelo ‘sistema espectador’, para que estejamos preparados quando a bola vier na nossa direção.” 

Um teste de stress 

O novo modelo de aprendizagem da equipa ganhou tração quando foi acrescentado o fator stress à equação. “Sabe-se que, à semelhança do que acontece em situação de ansiedade e depressão, a exposição a fatores de stress conduz a uma ilusão de falta de controlo”, afirmou Ligneul. “Por isso, pensámos que, se o nosso modelo estivesse de facto correto, então a exposição dos participantes a esses fatores de stress, antes de executarem a tarefa, faria pender a balança para o ‘sistema espectador’”. 

O teste de stress confirmou a sua hipótese. Os participantes que recebiam choques elétricos ligeiros sem controlo, tendiam a adotar a posição de espectador. E quanto mais elevados fossem os seus níveis gerais de stress à partida, mais eficaz era a manipulação. Em contrapartida, apesar de efetivamente receberem o mesmo número de choques, os participantes que podiam agir para os evitar eram melhor sucedidos a implementar o modelo ator. 

Porque é que estas experiências iniciais teriam a capacidade de, mais tarde, influenciar a perceção das pessoas sobre a controlabilidade? De acordo com Ligneul, há duas hipóteses. A primeira é que níveis elevados de stress podem desencadear processos emocionais que prejudicam o desempenho em tarefas cognitivas. A segunda, que o autor considera mais provável, é que os participantes estão simplesmente a ser racionais. “A experiência ensinou-lhes que o mundo não é controlável. Por isso, o autor sugere que, quando são confrontados com uma situação nova, esta premissa guia as suas previsões e processo de tomada de decisão”. 

Um Novo Circuito Cerebral 

Na fase final do estudo, os cientistas investigaram a base neural deste mecanismo. Desta vez, os participantes desempenharam a tarefa dentro de um equipamento de MRI que  recolheu imagens da sua atividade cerebral em tempo real. Com esta abordagem, a equipa identificou várias áreas relevantes no cérebro. 

“Encontrámos certas estruturas cerebrais que codificam sinais relacionados com o processo de aprendizagem “ator” e outras que codificam ambos os processos. Isto significa que o cérebro, a cada momento, consegue comparar diferentes fontes para avaliar a controlabilidade”, explicou Ligneul. 

Se é surpreendente que a mesma região do cérebro represente os dois processos? “Não. De todo” respondeu Ligneul. “Como os dois processos precisam ser continuamente comparados, a co-localização ajuda a assegurar que a comparação acontece rapidamente.” 

Desenvolvimento, Depressão e Controlo 

Apoiados por este conjunto de dados, a equipa está já a planear vários estudos de continuidade. “As nossas descobertas têm amplas implicações em diversos campos”, disse Ligneul. “Estamos entusiasmados com a possibilidade de investigar como este mecanismo evolui com a idade e como outros fatores, como é exemplo crescer num ambiente de stress, o afetam. Também estamos particularmente interessados em explorar este mecanismo em contexto de distúrbios mentais. Acreditamos que esta abordagem irá ajudar a perceber porque é que a depressão conduz à ilusão de perda de controlo, e como os medicamentos psiquiátricos funcionam, questões que estão ainda em aberto”, conclui. 

 

Nas casas “controláveis”, a cor das portas determina as divisões a que dão acesso. Pelo contrário, nas casas “não controláveis”, a sequência de divisões é fixa, tornando as nossas escolhas irrelevantes. Créditos: Romain Ligneul 

 

 

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