JornalDentistry em 2025-5-23
Apesar da sua ligação a doenças graves, a saúde oral continua esquecida pelas políticas públicas. O próximo Governo tem a responsabilidade de mudar este cenário urgente.
Dr. João Neto, direção do SMD, professor universitário, conselheiro da ADSE.
Apesar dos avanços em várias áreas da saúde, a saúde oral continua a ser uma das mais negligenciadas em Portugal.
O Sindicato dos Médicos Dentistas (SMD) lançou um apelo claro: é urgente que o próximo Governo, a eleger a 18 de maio de 2025, coloque a saúde oral no topo das suas prioridades políticas.
Portugal encontra-se numa posição alarmante — é o terceiro país da OCDE onde a população enfrenta mais dificuldades no acesso a cuidados de saúde oral. Esta realidade atinge, sobretudo, as classes mais desfavorecidas e contribui para uma desigualdade que impacta significativamente a qualidade de vida dos portugueses.
Mais do que um problema estético ou pontual, a má saúde oral está diretamente ligada a doenças sistémicas graves, como as cardiovasculares, a diabetes e outras patologias.
A falta de cuidados preventivos leva à utilização excessiva de medicamentos para aliviar sintomas que poderiam ser evitados com uma intervenção atempada. Este cenário não só prejudica os cidadãos, como representa um gasto acrescido para o sistema público de saúde.
A diminuição dos hábitos de higiene oral, aliada às dificuldades financeiras, leva muitas pessoas a adiar ou evitar consultas dentárias, o que agrava o seu estado de saúde e, consequentemente, aumenta os custos futuros. A falta de acesso a cuidados preventivos resulta numa maior prescrição de medicação por parte dos médicos do Serviço Nacional de Saúde, o que, nas situações urgentes, é frequentemente a única solução possível e suficientemente célere para debelar dores ou eventuais infeções que poderiam ser evitáveis.
A verdade é simples e dura: a maioria das pessoas que mais precisa de cuidados dentários é precisamente quem menos pode pagar por eles. E, enquanto isso, Portugal possui quase três vezes mais médicos dentistas do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Este paradoxo revela uma falha gritante de planeamento, com consequências nefastas para os utentes e para os próprios profissionais.
Se a saúde oral fosse considerada uma prioridade pelos decisores políticos, muitas dessas situações poderiam ser evitadas, promovendo uma sociedade mais saudável, com melhor qualidade de vida e menos gastos públicos.
Para enfrentar este desafio, o SMD propõe um conjunto de quatro medidas estruturantes, que não só visam melhorar o acesso da população aos cuidados de saúde oral, mas também corrigir injustiças que afetam diretamente os profissionais da área.
1. Criação da Carreira Especial de Médico Dentista no SNS
É inaceitável que, em pleno século XXI, os médicos dentistas no SNS continuem a trabalhar sob vínculos precários, com falsos recibos verdes ou contratos desadequados.
Criar uma carreira especial é essencial para garantir acesso aos cuidados de saúde, especialmente aos cuidados de saúde oral, tal como está consagrado no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa.
2. Regulamentação dos Seguros e Planos de Saúde
A ausência de regras claras tem levado ao colapso de pequenas clínicas, pressionadas por tabelas de remuneração irrealistas. Sem diálogo entre as seguradoras e os representantes dos profissionais, perde-se qualidade, transparência e, acima de tudo, confiança por parte dos utentes.
Há o risco do encerramento de um largo número de clínicas. Os défices nas comparticipações podem influenciar a qualidade e a transparência dos serviços prestados, levando a escolhas menos informadas por parte dos pacientes.
A médio prazo, tudo isto poderá resultar na perda de postos de trabalho para milhares de médicos dentistas e outros profissionais.
É imperioso regulamentar os planos de saúde.
3. Criação de um Novo Plano Nacional de Saúde Oral
O atual modelo do cheque-dentista está esgotado. Com 41% dos cheques emitidos não utilizados em 2023 e mais de 350 milhões de euros investidos em 15 anos sem retorno visível, é urgente repensar.
Não serve o cidadão, nem o médico dentista… só serve o Governo. Esta exploração propositada da nossa classe é essencial para propaganda política. Num recente relatório da DGS, referia-se que cada ato clínico teria o custo de 7 euros.
A proposta do SMD é clara: seguir o modelo dinamarquês,adaptado às especificidades da realidade portuguesa, e integrar o setor público, privado e social numa abordagem equilibrada e eficaz.
Acreditamos que apenas um plano reformista e audacioso como este poderá inverter os péssimos indicadores de saúde oral que se verificam no nosso país.
Este modelo permitiria usar a rede de clínicas distribuídas pelo país, comparticipando tratamentos e reabilitação oral.
4. Reconhecimento da Profissão como Atividade
Desgastante com Acesso a Regime Especial de Antecipação da Idade de Reforma
Ser médico dentista implica longas horas em posições físicas desgastantes, com consequências diretas na saúde física e mental dos profissionais. O reconhecimento da profissão como atividade de elevado desgaste permitiria o acesso a um regime especial de reforma antecipada — uma medida de justiça e dignidade para quem cuida da saúde dos outros.
Frequentemente somos obrigados a adotar posturas prejudiciais à saúde durante longos períodos, o que resulta numa alta prevalência de lesões músculo-esqueléticas.
De facto, estamos entre as três profissões que mais sofrem de desgaste físico e mental.
As condições de trabalho são particularmente penosas devido à sobrecarga física, psíquica e à insalubridade, fatores que desencadeiam problemas de saúde tanto físicos como mentais, criando, muitas vezes, um ciclo vicioso de dor e stress. Vários estudos internacionais apoiam esta realidade, sublinhando a urgência de reconhecer o impacto da profissão na saúde dos médicos dentistas. Deve ser reconhecida como uma atividade de elevado desgaste, justificando, assim, a concessão de reforma antecipada.
A saúde oral é, muitas vezes, invisível nos debates políticos. No entanto, o seu impacto na qualidade de vida é imenso. A falta de ação neste campo representa um custo
elevado, quer em sofrimento humano, quer em despesa pública.
Ignorar esta realidade é perpetuar desigualdades e com prometer o futuro da saúde em Portugal.
O próximo Governo tem uma oportunidade histórica de inverter este ciclo. As propostas estão em cima da mesa.
Agora, é preciso coragem política para agir — não apenas pelos médicos dentistas, mas por todos os portugueses.
Esse é o nosso desiderato.