JornalDentistry em 2023-12-25

CONVIDADOS

B(OCA)

Boca. Boca que age. Bocage (1765-1805). “Pela boca do rosto mais corado Hálito sai, às vezes bem asqueroso; ”( in Ó Formosura!).

Dra. Susana Traila.

Poeta da nossa nação. “Magro, de olhos azuis (...) Eis Bocage, em quem luz algum talento; Saíram dele mesmo estas verdades num dia em que se achou mais pachorrento.” (In Autorretrato).

Após décadas na clausura da tumba, foi capaz de sair à luz do dia, e nas nossas mãos, olhar-nos em azul, como efígie na nota de 100 escudos do Banco de Portugal.
O que aqui escrevo não será digno de nota. De qualidade fracota e até sujeito a chacota entrego, sem batota, à sua justa rota.
Boca. Cavidade que permite a fala. Pa(lavra). Palavra de honra. Lavrar. Falar com convicção. Promessa. Compromisso. Veracidade de uma afirmação. Não comprável por dinheiro algum. Leal. Seria o ideal. Mas por vezes o real mostra o desdizer. Corromper. À velocidade de uma bala. Voltar com a palavra atrás indiferente à dor que ao outro traz. Ganancioso imperturbável. Impiedoso. Mordaz. Na realidade: lábia. Quando os dois lábios se movimentam num discurso astucioso, num palavreado manhoso. Doloso. Desonroso. Palavra de honra! “A tua honra é mais cara do que o teu dinheiro” (texto judaico). Uma vez vendida, para sempre em descrédito. Não é acontecimento inédito. Não é mandamento religioso ou fundamento laico. É preceito moral.
O que de tua boca sai é da tua responsabilidade. Ecoa pela eternidade. Desde tempo imemorial. Fica retido na memória celular. Um som de amor que cura. Um som que depura. Que enternece. Que edifica. Um som de ódio que amargura. Que estremece. Que destrói. Que dói. Que fica.
Filtro. Pequena concavidade anatómica, na linha média, entre o nariz e o lábio superior. Sulco labial, natural. “Sou pessoa sem filtro, digo as verdades!” Diz com voz cheia, sem pudor, o estentor. Mete o nariz. Solta a primeira coisa que lhe vem à cabeça, sem que ninguém a sua opinião peça. Crê que o seu julgamento é isento de falha. Confunde barbaridade com sinceridade. “Sincericídio”. Suicídio da comunicação. A honestidade implica respeito, e tacto. É um facto que não usa o filtro da reflexão. Se desfaz ao outro o peito, escolta-se com aquilo que considera ser a sua maior virtude: dizer as verdades. É certo que diz o que pensa, mas em jeito de ofensa, ralha. Confunde a sua opinião com a voz da razão. Que moca! Asneirada que causa mossa. Oralidade sem juízo que causa prejuízo. Desbocado. Sem freio a reduzir o movimento da língua. A liberdade de expressão não é sinónimo de leviandade. Ilusão. Irreflexão. E tudo em nome de um pretensa verdade. De uma falsa crença. Se pratica a ofensa. A amizade é apunhalada. Pelas costas. Mortifica. “Se o que tens a dizer não é mais belo que o silêncio, então cala-te.”(Pitágoras). Recato. Bom uso do palato.
Troca de palavras. Sem parcimónia. Presunção. Altercação. Discórdia. Discussão sem moderação. Incendeia a multidão numa cega inflamação. Levar avante o seu intento. Convencimento. Acatamento. Após o andamento. Ideia carcomida pela erosão do tempo que revelará o quanto pútrida era a intenção. Descoberto o encoberto. Julgamento sem assumpção das responsabilidades. Esfumam-se culpabilidades. Acusam-se as inocentes fragilidades. Covarde, outrora alarde, finge ser pessoa taralhouca. Finório. Num pungente oratório. Escusatório. Inimputável. Indecoroso. Arranje-se um bode expiatório!
“É um facto que ninguém compreendia as suas palavras, embora elas lhe parecessem suficientemente claras (...), pois como ninguém o compreendia, também ninguém pensava (...), que ele pudesse compreender os outros.” (In A Metamorfose, Franz Kafka).
A boca também fala sem nada pronunciar. Sem a voz usar. Num movimento silencioso dos lábios. Que se estendem na mais bela curva do corpo humano: o sorriso. Audível pelos sábios. “(...) a sorrir-me um sorriso acanhado que foi a declaração de amor mais comprida que ouvi até hoje (...) (In O Tamanho Do Mundo, António Lobo Antunes). Discurso pelo coração decifrado. O mais credível.
Broca. Paul Broca (1824-1880). Médico e anatomista francês. Influenciado por Franz Joseph Gall (1758-1828). Frenologia. Broca descobriu a relação entre a fala e uma região específica do cérebro ao autopsiar, em 1861, um paciente que apesar de compreender a linguagem e não tendo qualquer paralisia física, era incapaz de dizer algo além de “tan”. Dir-se-ia tantã. Mas a pessoa não era bacoca, apenas tinha a capacidade comunicacional afectada. Dificuldade em expressar-se. Em produzir frases completas. Em produzir som compreensível e lógico. Neurofisiológico. Paul Broca verificou que os pacientes com lesões no lobo frontal do hemisfério esquerdo apresentavam esta disfuncionalidade. “Tcharam!” Descoberta do “centro da linguagem” no cérebro, na região do lobo frontal, que levou Broca, em 1864, a anunciar: “Nous parlons avec l’hémisphère gauche!” (Nós falamos com o hemisfério esquerdo!). Disfunção designada Afasia de Broca.
Há a boca com bom aspecto. Escorreita. Aparentemente perfeita. Numa carinha laroca. Mas maledicente. Enganosa. Que mente. Também a há verborreica. Impudente. A que dá com a língua nos dentes. Inconfidente. Inconsequente. Há a que fala por entre os dentes. Rabugenta que a todos afugenta. Há a boca ternurenta. Aquela que a todos acalenta. Há a doente. E a previdente. Sorridente. Silente.
Mudo. Cinema. Charles Chaplin, nascido em Londres, em 1889. “A acção é geralmente mais entendida do que pala- vras.” Em 1936 composição da música “Smile”. John Turner e Geoffrey Parsons adicionaram a letra e o título em 1954. Diversas interpretações. A mais charmosa sai da boca de Nat King Cole. “Sorria, embora seu coração esteja doendo (...) Você descobrirá que a vida ainda vale a pena.”
Em tudo por tudo, ecoa à boca de cena: Que a tua boca não seja oca!
 

 

O autor escreveu segundo a antiga ortografia. E desenhou, a grafite, por observação.

 

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