O jornalDentistry em 2019-6-16

EDITORIAL

Escovas de dentes amigas do ambiente. E da Saúde Oral?

Escrevo este editorial desde Boston, onde vim fazer parte dum programa de educação contínua em periodontologia na Harvard University e assistir ao congresso internacional duma revista científica indexada e reconhecida mundialmente, o International Journal of Periodontics and Restorative Dentistry, cujo chairmain é o Dr. Myron Nevins.

Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do "O JoralDentistry"

Ele e o seu filho Marc Nevins guiaram-me desde sempre no meu percurso na especialidade de periodontologia. 
Decorre de três em e três anos, sempre em Boston. É uma cidade muito acolhedora, seguindo um padrão mais europeu. Tem centros académicos de excelência como a Harvard University ou o MIT. É uma cidade cheia de jovens estudantes, cuja média de idades é de 32 anos! 
Há quem diga que os Estados Unidos estão “mais à frente” e que o que se passa agora aqui se passará em breve na Europa. Desde logo, o que notei de imediato é a que a questão ecológica está muito marcada e pre- sente no dia-a-dia. Assim, as opções por alimentação vegan, low fat e high protein é uma realidade e não mais uma exceção. Venho a este congresso desde 2004 e onde antes se vendiam 100 opções de donuts, vendem-se agora embalagens de frutos secos e desidratados. O pequeno almoço que me servem ás 7 da manhã no átrio da Harvard Dental School tem pratos de papel e copos de papel à minha espera. Este facto fez-me refletir que, na verdade, a preocupação em encontrar uma alternativa ao plástico é uma realidade, doutra forma não se sentiria assim tão marcada neste país. 
Mas o que é que este tema tem a ver com medicina dentária, poderão pensar... Pois nesta sequência de mudança de atitudes também “made in USA” surgiram no mercado umas escovas de dentes eco-friendly cuja matéria-prima principal deixa de ser o plástico e passa a ser o bamboo. Isso mesmo, escovas de dentes feitas de bamboo. Na embalagem, também ela de origem vegetal, podem ler-se as características: escova de dentes à base de quatro plantas de bamboo, cabo de bamboo orgânico, cerdas vegetais suaves baseadas em óleos vegetais, embalagem de origem vegetal, duração igual a uma escova normal de plástico. 
Ora, admito que o bamboo já tenha sido estudado como alternativa ao plástico para variadíssimas opções com grande sucesso. Desconheço os estudos por detrás da sua aplicação em escovas dentárias para o regular uso e função para as quais as mesmas se destinam. Tratando-se de um  material de origem vegetal como se comportará quando sujeito à contaminação bacteriana consecutiva pelo uso na escovagem da cavidade oral? E aos fluídos orais? Como se pode desinfetar/lavar a própria escova de bamboo? Duma maneira completamente empírica e em jeito de mera reflexão, parece-me que o próprio bamboo pode constituir um meio de proliferação bacteriana a ser estudado. Sei que a pressão comercial/ideológica/social para a substituição do plástico por alternativas sustentadas é um grande desafio para os próximos dois/três anos, e a medicina dentária não se pode alhear dessa realidade, mas o que é certo é que já mais do que um paciente que trocou para estas escovas não demorou muito tempo a aparecer no consultório com sinais clínicos evidentes duma gengivite instalada... 
O diagnóstico diferencial é essencial em todas as áreas da medicina e a medicina dentária não é exceção, mas neste momento, face a uma gengivite instalada, há mais uma pergunta que me vejo obrigada a fazer, sem que haja evidência científica que sustente a causa-efeito, mas que um padrão de observação clínica me leva a suspeitar dela: “Por acaso não tem usado uma escova de dentes plastic-free, nomeadamente de bamboo?” E a resposta tem sido, invariavelmente, “sim, por acaso comprei uma há pouco tempo e tenho escovado com ela...” 
Quando nos informam que cerca de 1% do plástico presente nos oceanos são escovas de dentes...e concluem que com esta solução podemos “trocar de escova de dentes sem culpa”... estão a apelar à nossa consciência de consumidor ecológico. Mas o que podemos esperar dum produto “poroso e absorvente”, como o próprio fabricante indica, que “absorve a placa bacteriana”? Dum produto biodegradável que vai ser usado na cavidade oral, onde bactérias normalmente presentes serão absorvidas pelas características porosas deste material? Mais uma vez, deixo a reflexão... plástico não! E bamboo sim?! 
 

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