O JornalDentistry em 2021-3-20

EDITORIAL

Supermulheres

Escrevo-vos numa altura em que já estaríamos a pensar em férias e a marcá-las no calendário. A projetar viagens, novas aventuras e descobertas em família. Escrevo-vos mais concretamente no dia em que celebramos o Dia Internacional da Mulher.

Célia Coutinho Alves Médica Dentista Especialista em Periodontologia pela OMD Doutorada em Periodontologia pela Universidade Santiago de Compostela

Um estudo publicado ontem demonstra que as mulheres em pandemia  trabalham cerca de 96h por semana, ou seja, têm uma carga horária correspondente a 2,5 trabalhos a tempo inteiro, por isso também são as que sofrem mais de burnout, esgotamento psicológico, desgaste emocional e depressão. 

Mulheres em pandemia, confinadas ao teletrabalho, ao acompanhamento do ensino on-line dos filhos menores, da lida da casa, das refeições, roupas, compras no supermercado. Só posso louvá-las. Elas, as mulheres, são dotadas de uma invulgar capacidade de trabalho e que quando solicitadas a responder ao essencial, são focadas e assertivas a determinar as prioridades. E pelo que sei, pelo que ouço, pelo que aprecio, as prioridades que atribuem nunca as tem, a elas, em conta. O cuidado ao outro vem primeiro. Talvez pela natureza que faz depender do ventre delas, o nascimento de toda a humanidade. Toda, homens e mulheres. 

A igualdade, a paridade, a liberdade são termos que voltam a falar mais alto neste 8 de março, Dia da Mulher, mas na minha humilde opi- nião, e sobretudo este ano, a palavra que gostava de ver assinalada é “cuidado”. Cuidar de quem tanto cuida, deveria ser claro e transparen- te para uma sociedade que continua a achar que quem cuida não faz mais do que a sua obrigação. E a verdade é que faz. Faz aquilo que mais ninguém faria. Faz a diferença numa casa, numa família, num gabinete, numa empresa, num escritório, numa sala de aula, num consultório. 

A medicina dentária, assim como outros cursos superiores, tem vindo a ser dominada numericamente pelo sexo feminino. Em 2021 a percen- tagem de médicas dentistas é já de 60%. E isso não é bom, nem é mau. É apenas o reflexo do foco nos objetivos e da determinação em persegui-los, mas acredito que este ano, no momento de planear férias, as mulheres deste país estejam mais perdidas. Com confinamentos e des- confinamentos revistos de 15 em 15 dias, a sua resiliência e capacidade de organização tem estado a ser posta à prova. 

Quando era muito nova, e sendo mulher, acreditei que a minha liberdade vinha com a idade. Depois pensei que vinha com o tempo. Mais tarde pensei que vinha com o dinheiro. Depois pensei que vinha com o poder. 

E depois percebi que a liberdade não vinha com nada. Eu é que tinha de ir ao encontro dela. Trabalhando. Trabalhando-me. 

Nestes tempos de confinamento, desdobramento de funções, adapta- ções diárias a novos desafios. As mulheres têm de ser supermulheres. E a única forma é cuidando de nós, trabalhando-nos. Cuidar de nós não pode ficar para último e também não é um sinal de fraqueza, pelo contrário, é um sinal de maturidade e estabilidade. 

A mulher médica dentista é, também ela, fruto da sua atividade profis- sional, uma cuidadora por excelência. A exigência no dar-se diariamente associada ao contexto pandémico, pode trazer ao de cima a essência da fragilidade (sensibilidade) de ser mulher. E quem cuida das cuidadoras? 

Estou certa de que muitas têm uma capacidade invulgar de autorrege- neração, autorregulação, próprias dos organismos vivos. E acredito que ao cuidar, ao dar-se, acabam por cuidar também de si. Porque a recom- pensa é curadora. Porque que o que recebem dos seus pacientes, filhos, amigos, família, colegas é reconfortante e atribui sentido e propósito ao seu dia-a-dia. Mesmo em pandemia, mesmo confinadas, mesmo sem férias. 

Mas se pudesse oferecer alguma coisa a todas as mulheres neste dia delas, oferecia-lhes exatamente o dia. Para livremente cuidarem de si. Porque ao cuidarem de si voltam plenas para vir cuidar dos outros. Um dia de férias. Um dia para escolherem livremente ser o que quisessem. E tenho a certeza de que a maioria iria escolher ser... mulher. E mesmo cuidando de si, não demoraria muito a encontrarem um momento onde a sua sensibilidade, seria todo o cuidado que outros estariam a precisar. 


 

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